No carro à caminho de botafogo conversaram sobre quem estava
ficando rico, quem estava empobrecendo, sobre a “Classe-Mérdia” que queimava
sem tetos em Brasília e finalmente na futura faculdade. “Pai, o senhor sabe que
eu estou me preparando, estudando bastante...” mentira “...esse tempo livre
está sendo bem aproveitado, te juro”. Ele pegou sua mão, deu um beijo e disse
“Sei que você vai ser grande.” Olívia sentiu uma certa dor por ter mentido,
aquela dor pequenininha no peito e a voz da consciência dizendo que deveria
parar de mentir sobre a vontade de cursar Direito. Melhor mesmo era deixa-lo
feliz. Ele estava ficando velho e doente. Diabetes, pra quem não se cuida pode
ser uma doença muito traiçoeira. “Minha mãe anda mais calma?”. Ela andava mais
calma sim depois do último imóvel inescrupulosamente caro que havia comprado em
Botafogo, as dívidas estavam quitadas e sua única filha encaminhada. “Graças a Deus! Vou te contar uma história,
mas que fique entre nós combinado?” Sim, combinado. “No início do nosso
casamento sua mãe era um bicho, eu nem sei como eu aguentava. Teve uma vez que
ela estava de TPM, e a mulher de TPM era o demônio, minha filha, o demônio. Era
uma briga por causa de dinheiro e ela tentou avançar em mim, ia tentar me
bater, nem sei..” Isso deve ter sido engraçado “...quando ela veio para cima
dei um empurrão de leve, pra me proteger sabe?! E a doida caiu em cima da cama...”
“Ela chorou?” “Chorou nada, arrumou minha mala para eu sair de casa. Fui ver um
apart em Ipanema, eu acho. No dia seguinte eu cheguei em casa e descobri que ela
tinha tentado se matar, tomou uma cartela de remédio inteira. Mas acabou
ficando com uma diarreia monstruosa, filha” os dois estavam rindo muito com
essa história. Olívia imaginou sua mãe deitada na cama fazendo um dramalhão,
como as atrizes de Hollywood. Aquilo era realmente engraçado. “Levei a mulher
pro hospital e fiquei a noite inteira lá enquanto ela tomava soro. Ela ficou
desidratada de tanta dor de barriga.
No dia seguinte, quando a gente voltou pra casa, ela acabou
descobrindo do apart. Arrumou duas malas e ficou me esperando voltar do
trabalho. Eu cheguei, vi aquilo e pensei ‘que porra é essa? Que quê essa mulher
tá aprontando?’ aí ela me vira e diz, cm a
maior cara lavada: “meu amor arrumei nossas malas pra gente ir pro apart
em Ipanema! Nós vamos ficar lá dois dias em lua de mel!” “E você foi pai?” “Eu
fui né, você sabe como a sua mãe é.. Mas valeu, depois disso a gente ficou um
tempo numa boa.” Por essas e outras Olívia era tão apaixonada pelos pais. Ela
os achava doidos, e eles eram, mas ela os amava. Nada de contar sobre a
faculdade hoje.
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