quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Hoje


Sentada na varanda, assobiando enquanto a chuva caía, eu pensava em todas as  obrigações de hoje. Uma montanha de louças se acomodava na pia, e um cigarro queimava no cinzeiro ao meu lado. A tv falava sozinha na sala enquanto eu pensava nas obrigações do dia. Por que hoje jogar tudo pro alto parece tão difícil? Quando foi que ser irresponsável deixou de ser fácil e involuntário? Por que sempre tantas dúvidas e interrogações?
Hoje o dia esta fácil. As roupas esperam para serem lavadas e a louça também, o chão está quase implorando para ser varrido, algumas apostilas formam um montinho que parece alto demais e algumas ideias bobas esperam para serem escritas em um papel. Qualquer papel, ou até um guardanapo, as ideias não ligam muito. O dia não parece mais tão fácil e eu já nem sei mais por que.
Começa a chover forte, vontade de deitar, de sumir só um pouquinho. Só por um instante. Vontade de não ter obrigação nenhuma, de ser irresponsável e que se foda. Mas quem foi que pediu tanto pra ser adulto, quem pede esse tipo de coisa? Todo mundo pede. Que mundo louco. Criança quer ter dezoito, adolescente é chato e não quer nada,  jovens querem ser adultos e os adultos querem... O que os adultos querem? O que eu deveria querer nesse momento da minha vida? Sim, porque pelo visto eu não me encaixo no perfil que acabei de descrever, sou jovem e não quero ser adulta. Eu nem sei o que eu quero. Ah, como o dia foi ficar tão difícil de repente?

Que coisa esquisita


Andando pela Rua das Laranjeiras, em uma quarta-feira comum e de um calor infernal, de repente me vi com uma raiva que parecia me sufocar. Que coisa mais esquisita. Assim, do nada, enquanto via as pessoas ali, esperando seus ônibus, a moça do carrinho da agua de coco, duas meninas que falavam extremamente alto, me percebi com raiva e com uma sede de matar. Um Guaravita, por favor. Que calor! Que estranho prestar atenção em si mesmo e conseguir nomear um sentimento. Que incomum. Desconforto, talvez? Pelo calor ou pela sensação de pura e simples inadequação, de “será que eu pertenço a esse lugar mesmo?” será que eu pertenço a qualquer lugar que seja? Às vezes era só raiva de sentir mesmo, de sempre sentir tanto e de infelizmente, aprender a nomear alguns sentimentos.
Mas por que será que isso era tão ruim se eu passei tanto tempo sem saber o que eu sentia e tentando desesperadamente descobrir? De onde vem tanto medo? Logo eu que me achava tão corajosa, que enfrentava tudo e todos agora estou aqui, com medo de mim mesma. E o pior era aquele calor insuportável. O Rio de Janeiro está ficando cada vez mais quente ou eu estou ficando cada vez mais estranha? Que coisa mais esquisita.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Parte 4


  No carro à caminho de botafogo conversaram sobre quem estava ficando rico, quem estava empobrecendo, sobre a “Classe-Mérdia” que queimava sem tetos em Brasília e finalmente na futura faculdade. “Pai, o senhor sabe que eu estou me preparando, estudando bastante...” mentira “...esse tempo livre está sendo bem aproveitado, te juro”. Ele pegou sua mão, deu um beijo e disse “Sei que você vai ser grande.” Olívia sentiu uma certa dor por ter mentido, aquela dor pequenininha no peito e a voz da consciência dizendo que deveria parar de mentir sobre a vontade de cursar Direito. Melhor mesmo era deixa-lo feliz. Ele estava ficando velho e doente. Diabetes, pra quem não se cuida pode ser uma doença muito traiçoeira. “Minha mãe anda mais calma?”. Ela andava mais calma sim depois do último imóvel inescrupulosamente caro que havia comprado em Botafogo, as dívidas estavam quitadas e sua única filha encaminhada.  “Graças a Deus! Vou te contar uma história, mas que fique entre nós combinado?” Sim, combinado. “No início do nosso casamento sua mãe era um bicho, eu nem sei como eu aguentava. Teve uma vez que ela estava de TPM, e a mulher de TPM era o demônio, minha filha, o demônio. Era uma briga por causa de dinheiro e ela tentou avançar em mim, ia tentar me bater, nem sei..” Isso deve ter sido engraçado “...quando ela veio para cima dei um empurrão de leve, pra me proteger sabe?! E a doida caiu em cima da cama...” “Ela chorou?” “Chorou nada, arrumou minha mala para eu sair de casa. Fui ver um apart em Ipanema, eu acho. No dia seguinte eu cheguei em casa e descobri que ela tinha tentado se matar, tomou uma cartela de remédio inteira. Mas acabou ficando com uma diarreia monstruosa, filha” os dois estavam rindo muito com essa história. Olívia imaginou sua mãe deitada na cama fazendo um dramalhão, como as atrizes de Hollywood. Aquilo era realmente engraçado. “Levei a mulher pro hospital e fiquei a noite inteira lá enquanto ela tomava soro. Ela ficou desidratada de tanta dor de barriga.
  No dia seguinte, quando a gente voltou pra casa, ela acabou descobrindo do apart. Arrumou duas malas e ficou me esperando voltar do trabalho. Eu cheguei, vi aquilo e pensei ‘que porra é essa? Que quê essa mulher tá aprontando?’ aí ela me vira e diz, cm a  maior cara lavada: “meu amor arrumei nossas malas pra gente ir pro apart em Ipanema! Nós vamos ficar lá dois dias em lua de mel!” “E você foi pai?” “Eu fui né, você sabe como a sua mãe é.. Mas valeu, depois disso a gente ficou um tempo numa boa.” Por essas e outras Olívia era tão apaixonada pelos pais. Ela os achava doidos, e eles eram, mas ela os amava. Nada de contar sobre a faculdade hoje.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Parte 3


Domingo Olívia foi se encontrar com os pais e amigos em um restaurante caro para depois ver o imóvel recém-adquirido do casal. Uma bela casa na Barra da Tijuca em um condomínio de luxo. Como de costume, chegou antes de todos. Observou as pessoas no longe do restaurante enquanto fumava um cigarro, um dos pequenos prazeres da vida. Ela não tirava os olhos de um senhor que, sentado do outro lado da gigantesca mesa de madeira no espaço aberto, tomava um Uísque. Não um copo, mas sim uma garrafa inteira. Talvez aquele beber quase desesperado do senhor fosse uma fuga, imaginou. Ele deve ter uma esposa dessas que pede demais. Bolsas demais, sapatos demais, dinheiro demais, tudo demais. Então foi ao restaurante no domingo ao meio dia, mentindo para a Esposa que iria ao clube, no qual tinha parte da sociedade, para ver o andamento dos negócios. Negócios geram dinheiro, a Esposa não tinha do que reclamar.
A mãe chegou, bem vestida, com óculos escuros grandes demais, com seus sapatos caros e bolsa importada. Última coleção, uma pequena fortuna. Agarrou o rosto da filha, dois beijos estalados nas bochechas e um “Minha querida!”. Seu pai chegou logo depois e deu em Olívia um abraço apertado, de quem sente saudades, e perguntou como estava sua princesa. Os amigos ricaços chegaram, todos comeram e conversaram. As mulheres competiam. Bolsas, filhos e viagens. Os homens falavam sobre negócios e estratégias de mercado, já o pai de Olívia só comia. Um sentado ao lado do outro, comendo muito e apreciando a variedade de carnes que chegava à mesa antes que o último pedaço estivesse terminado. Fim de almoço. O Pai chamou sua princesa em um canto e contou quase como uma confissão  “Não quero ir ver a casa deles não, hoje tem jogo do Vascão. A gente deixa sua mãe lá e eu te dou uma carona para casa. Que tal?”. Vinte minutos para achar o tal condomínio de luxo, explicar à senhora Mãe que ela pegaria uma carona com o Pai para casa, uma bronca e de volta para o conforto do lar.